A Cesaltina, a minha empregada, saiu hoje daqui, a caminho da sua Páscoa. Tem mais sorte do que eu, que vou passar a Páscoa enfiado em coisas transfinitas.
A Cesaltina é muito bem educada, nunca fala do que se passa, numa casa, noutra.
Hoje, pela primeira vez, disse-me que trabalhava para um senhor das Informações da S.I.C. Lembrei-me logo daquele Deputado do P.S.D. que tinha afirmado, em plena Televisão, que José Sócrates telefonava "furibundo" para casa dos Directores, a dizer que a sua Licenciatura era uma "não-notícia",
Cesaltina,
perguntei eu,
por acaso houve algum telefonema estranho na casa do seu outro patrão?...,
e ela, pálida, houve, sim, sr. dr., era uma voz estranha, que gritava muito, do outro lado, o meu patrão ficou muito pálido, e só dizia, "esteja vòchelência descansado, pois, vòchelência tem toda a razão...",
e eu,
mas era homem ou mulher?...,
e ela,
ai, sr. dr., sabe quando as gatas estão aluadas?... Era uma coisa estranha, parecia lá muito no alto, mas depois caía para baixo, e parecia que estava engasgada, como o ruído dos ralos da banheira, no fim do esvaziamento, e depois gemia, e voltava a guinchar lá, em cima, numa espécie de pessoa na Hora da Morte, deus me perdoe...
(Neste momento, foi a minha cultura, enfim, natural, que entrou em colisão com a inexistência de licenciatura "independente" da minha doméstica: tudo na sua descrição, me fazia lembrar a voz de Natália de Andrade, a interpretar a Ária da "Rainha da Noite", na "Flauta Mágica"),
e eu,
sabe, por acaso, quem estava ao telefone?...,
e ela encostou-me os seus lábios bigodudos ao ouvido, e sussurou:
... era o Sr. Primeiro-Ministro...
Era, de facto o Sr. Primeiro-Ministro, como depois a SIC comprovou, a dizer que a história da sua "Licenciatura" era uma não-notícia, e até era. Era um Fragmento de Parménides, em toda a sua opulência, uma não-notícia, um não-licenciado, um não-acreditável, um não-possível-de-sustentar-muito-mais-tempo, um não-país, um não-ser, um NÃO rotundo de toda a Opinião Pública Portuguesa.