"Sabe? Eu gostava de fazer uma festa numa dessas suas narinas, chamavamos-lhe "A Festa do Canudo Independente", cada um trazia o seu cabo-verdiano e dançávamos kizomba, agarradinhos, enquanto um terceiro indivíduo, forrado a velcro, recitava em voz baixinha o manual de análise de estruturas de betão e vigas metálicas III, assim quase num sussurro, enquanto nos afagava a todos as partes baixas; e você, de cravo a rasgar-lhe o sorriso e elevado pelos seus assessorais saltos altos, levitava esvoaçante, espampanante, no holofote que a seguiria a todo o lado, limpando com as costas da mão uma pinga de suor que lhe caia da testa, quiçá do esforço - assim mostrar-se humana! - colocar um pé e o outro, com delicadeza mas vigor, assim como quem espezinha com um sorriso e o aval do espezinhado, o pavimento rectangular acinzentado da discoteca "Liberdade", com a multidão, essencialmente masculina - muito embora alguns membros deixassem algumas dúvidas - a aplaudi-la e a tentar não ser demasiado óbvia ao deixar a saliva escorrer pelos maxilares impecavelmente barbeados.
E você, consciente do poderio das suas curvas, irradiava como uma central de energia solar em Serpa, flirtando por todo o lado, piscando o olho a este, mostrando um glorioso canino ao outro, fazer-se como Galadriel, Senhora da Anilha, "To be Queen, Beautiful and Terrible, and All shall Love me and Dispair!". E eu, tal como estou, só que com menos roupa, arrastava-me atrás do rasto de viscosidade que espalhava pelo "dance floor", sentindo no meu peito um amor profundo, tentando beijar-lhe os tacões dos sapatos e oferecendo uma gaveta de cuecas e meias em troca da posse da minha vida: "Senhora, levai todas as minhas posses e aceitai este escravo, que mais não vos pode dar do que a sua mísera roupa interior". E sim, abriria a boca para que pudesse lá apagar o seu cigarro, e ouviria, demonstrando interesse, as suas histórias dos tempos da residência de estudantes, quando andava na Universidade.Depois, a festa continuava em Caxias: eu, arrastando-me, a senhora, o Arouca, o Verde, o Vara, faríamos um re-run do Prison Break, e você, com os seus dotes de Engenheiria, arquitectava um plano fantástico de cavar um túnel por baixo da sanita, não porque quisesse efectivamente tirar-nos de lá, mas porque era justamente naquela canalização que estavam as suas pautas da Independente e, quem sabe, aquele dildo verde-alface que tinha deixado cair aos 12 anos, e que nunca mais tinha encontrado desde que o Tony o levava de visita às cadeias, depois de parar em Oeiras;Boas recordações partilhávamos então, e não só, claro, tudo isto enquanto estávamos vestidos de coelhos gigantes e dançávamos num strip-pole, de vestido vermelho com debruados na zona do peito e lantejoulas nas pontas, deixando à mostra os pêlos do peito, que volta e meia viria, brincalhona, puxar, causando um trejeito de dor, mais pela surpresa do gesto, que logo passava e se derretia com um seu sorriso pestanejante...Senhora, como nos iríamos divertir!... Chegada ao fim, vencidos pelo cansaço, despedir-nos-íamos então, ainda em ambiente de festa, sem melancolia, com um sorriso, um carinho, um afago, e um doce segredar ao ouvido um do outro: "We'll always have Caxias"... e, ao regressar ao covil de onde saíra, a cada passada lembrar-me do seu sorriso, que guardaria como um sonho, bem distante, e que me aqueceria o coração durante as próximas 50 gerações, enquanto assobiava "Oh it's such a perfect day" do Lou Reed, e tirava restos de cotão do rego...
Ah, ao menos se a vida fosse...!"
By Zlipax